Hoje quase morri atropelada.
Foi algo assim, bem rápido, tão rápido quanto tudo na vida
que por algum acaso a gente não pode controlar.
Logo eu, sempre tão atenta ao atravessar a rua, fui pega
desprevenidamente em um devaneio a respeito do que acontecia do outro lado da
rua. O fato era mesmo de chamar a atenção, nesta onda de violência sem fim, na
padaria onde regularmente costumo comprar ótimas cucas novinhas, com o
vaporzinho saindo da embalagem, eis que avisto uma viatura da PM estacionada em
sua esquina e alguns policiais fortemente armados dentro do estabelecimento.
Logo me pergunto: - será que assaltaram
a padaria? Meu Deus…nem padarias não escapam mais…esta bandidagem cruel, sem
limites, sem escrúpulo (bi-bi) onde a vida da gente não vale mais nada…(bii-bii)
será que eu não deveria ter atravessado mais adiante? Porque se der tiroteio
posso morrer aqui de bala perdid…(biiiiiiiiiiiiiii…..)
Quando olho por lado direito, só consigo enxergar dois
clarões amarelados correspondentes aos faróis, um letreiro gigante indicando o
destino do ônibus e o tal veículo a menos de um metro de mim…tive de correr…dei
três passos corridos, apressados e desesperados para o local de segurança.
E daí fiquei pensando como seria ridiculamente idiota morrer
atropelada por um ônibus, pensando em como não morrer de bala perdida em
tiroteio.
E o resto do trajeto para a faculdade foi marcado pelo meu
coração (que quase voou pra fora da boca) batendo apressadamente, minhas pernas
bambas, e minha cabeça cheia de (novos) devaneios a respeito do ato de morrer e
suas implicações.
Fiquei lá, imaginando minhas amigas recebendo a informação,
algumas de coração partido, outras caindo em amargura e desânimo (pelo menos eu
acho que assim seria…), meu esposo…como meu esposo reagiria??? Minha mãe???
Pobrezinha, eu acho que a mataria….
E daí veio aquele pensamento, sutil, porém inquietante e
devastador: Será que valeu a pena até aqui???
Valeu a pena ter tantas idéias e nunca tê-las tirado do
papel??? Valeu a pena não ter dito o que sentia e o que pensava com medo de
represálias, com medo das vaias, com medo da rejeição??? ( esta velha amiga
minha, por sinal…)
Valeu a pena desistir por tão pouco? Valeu a pena ter
teimado por nada? Valeu a pena cada teimosia e cada fraqueza? Valeu a pena engolir
tanto sapo? Ser tão paciente e cercada de pessoas que não possuem nem metade de
sua paciência, que não perdem tempo, em nome da maldita “sinceridade” em te
ferir e te deixar em frangalhos, e você ali, paciente feito uma tonta, ter
engolido tanto tempo quieta, calada, em nome de sabe lá Deus o quê????
Valeu cada riso? Valeu cada choro? Valeu os sonhos que nuca
realizou? E o que realizou, foram os SEUS sonhos ou os sonhos que os outros
sonharem por você e pra você????
Valeu a pena ter sido tão politicamente correta e ter sido
pisoteada pelas opiniões grosseiras dos outros que não são tão corretos quanto
você? Valeu a pena cada minuto de integridade????
Valeu a pena permanecer com sua fé até o fim, e vê-la cair
em desuso, vê-la servir de parâmetros para medir seu grau de mediocridade e
ignorância???
Pois é. Nem tudo valeu a pena. Nem todo o riso foi de
alegria. Nem toda a lágrima foi de tristeza, mas fato é que nem a vida vivi
direito para que ela terminasse assim…comigo virando num patê de gente num pára-brisa
de um ônibus que não reduziu a velocidade, mesmo sabendo que uma desatenta
atravessava a rua, só buzinou…azar o meu se eu virasse o tal patê….
É. Eu ainda não vivi minha vida. Não vivi até a ultima gota.
Porque me falta tempo, me falta coragem, me falta dinheiro e
principalmente, mais vida.
E pensar que isso tudo aconteceu por causa de uma viatura da
PM numa esquina de uma padaria qualquer…..
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