Quando eu era pequena as coisas eram bem diferentes do que são
agora.
Me lembro que o mundo era bem mais simples.
Meu sonho era ser cientista e conquistar o mundo. E começava
minha árdua tarefa de ser uma revolucionária cientifica observando formigas e
decorando os tipos de nuvens. Com o tempo, fui desenvolvendo um tipo peculiar
de curiosidade.
Era uma curiosidade por tudo. Tudo era fantástico, e era
muito importante se saber de onde as coisas vinham e pra que serviam, e mais
ainda, gastava minhas tardes à procura do que fazer com as coisas que eu
julgava ter menos importância do que deveriam.
Nunca vou me esquecer do dia em que desenvolvi mentalmente
um projeto (que nunca saiu do plano das ideais) de um carro movido a bananas. Porque eu achava a fruta
muito maravilhosa para servir única e exclusivamente para se comer.
Logicamente meus desejos de futuros promissores incluíram o
desejo de ser cientista da NASA, ser jornalista, telefonista (porque fui com
minha mãe a uma agencia de cobranças em que as moças usavam aquele aparelho
maravilhoso chamado head-set e usavam uniforme cinza e eu achei aquilo
simplesmente fantástico e futurista, mal sabia eu que anos depois ia parar num
call-center e me arrepender profundamente do sonho), veterinária…enfim….forma
muitos os planos pro futuro.
O que aconteceu no meio do caminho? O mundo mudou.
De repente eu não sentia mais aquele maravilhoso cheiro de
leite que ferveu e derramou no fogão limpinho porque alguém se descuidou dele. E
as torradas? Era aquele cheirinho de café passado na hora com leite derramado e
torradas. Porque apareceu uma coisa fantástica lá em casa chamada micro-ondas e
esquentar leite virou coisa de minutos.
E domingo então? Ver a formula um com o Aírton Senna era
programa obrigatório, a família se reunia no sofá para isso. Bom, o Senna
morreu, mas daí a gente preenchia as tardes assistindo filme alugado na
locadora. E era sempre a mesma historia: a fita teria de ser rebobinada antes
de ser entregue, mas o ultimo cidadão entregou a fita na locadora sem
rebobinar, então a gente via todo o filme de trás pra frente, pra depois ver
ele normalmente.
Jogar taco na rua era atividade obrigatória, eu
particularmente não era muito de brincar na rua porque minha mãe não deixava,
mas a gurizada ficava até nove, as vezes dez horas da noite, na rua, jogando
bola, correndo, brincando, pulando, sendo criança, sendo feliz, porque o sol
demorava mesmo muito pra se por e o dia escurecer de fato.
E ainda tinha gente ainda mais feliz que eu neste sentido.
Gente que subia em árvores, gente que fazia carrinho de rolimã, gente que
apanhava frutas do pé pra comer, gente que brincava de pega-pega e
esconde-esconde horas e horas a fio sem se cansar.
Acho que não existe a necessidade que eu me estenda muito
para se entender que hoje é bem diferente. E sendo bem egoísta, bem mesmo, nem
me importo tanto com esta geração de hoje, que perde suas manhas e tardes
jogando ou assistindo TV ou fazendo qualquer outra coisa ao invés de viver. Isso
é problema deles, não meu. Quando forem velhos caquéticos saberão que fizeram
as escolhas erradas.
Eu me preocupo é de ter perdido a simplicidade da
complexidade das coisas.
Sim, lógico que aquecer o leite no micro-ondas é
infinitamente melhor , mais rápido e mais prático do que perder tempo em ficar
de olho numa leiteira cheia de leite. Mas e a magia do leite derramado? A magia
do aroma do café da tarde?
- “Mas então porque você não aquece seu leite numa leiteira
já que está reclamando tanto”, você pode pensar…e eu te respondo com outra pergunta
– o que fizeram com meu tempo, que eu tinha antes em ficar de olho numa
leiteira ( e ainda assim deixar o tal do leite derramar porque aptidão pra ser
boca berta eu sempre tive mesmo) e agora mal tenho tempo de fazer um xixi em
paz?”
-“Porque não assiste fita K7 então, sua saudosista, você
pode pensar”… - porque não se fabricam mais aparelhos de vídeo como aqueles
trambolhos enormes que tínhamos e logo foram substituídos por dvds e ainda
pouco por um outro dispositivo chamado Blue-ray que eu ate agora não entendi
patavinas de qual a diferença….Porque ninguém quer mais perder tempo assistindo
filmes de trás pra frente, porque todos querem qualidade de som e imagem,
porque todos querem algo que nem sequer existia para que quiséssemos naqueles
tempos, mas que agora existe e veio pra ficar.
Se você for analisar com calma e cuidado vai ver que era
simples sim. Complexas no procedimento, mas simples na apreciação.
Daí veio o tal do futuro, com suas maravilhas, prometendo
simplicidade, conforto, nos vendendo sonhos que nem sabíamos que tínhamos (porque
na verdade não os tínhamos), e numa artimanha maligna nos roubaram nosso tempo.
Nos roubaram nossa forma de ver o mundo, porque o que sempre foi hoje já não é
mais, e amanha também já não será o que é hoje, porque tudo fica mudando e
mudando e mudando de novo numa velocidade tão rápida que já não vale a pena se
ter tantos sonhos a longo prazo, como eu costumava ter, porque amanha já não
vai ser mais assim.
E o que me resta desta constante falta de tempo, desta
loucurada toda?
Voltar ao meus planos de carros movido a bananas….
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